As redes, pesquisas, publicações e formações sobre o circo em Santa Catarina

#PanoramaCircenseSC

Lançamento do primeiro número da Revista Palhaçaria Feminina, no Festival Palco Giratório em Florianópolis – Sesc Prainha. Foto de Emanuele Mattiello.

Na tradição circense é comum que a formação se dê muito pela oralidade, de artista para artista, de família para família, na experiência empírica, isto é, na práxis circense de apresentações, oficinas, intervenções, performances com o público. Quem atua sabe que nada melhor que a sinceridade e a resposta do público. Em Santa Catarina não é diferente, grande parte da formação das pessoas que trabalham profissionalmente com circo se dá pela oralidade e pela prática artística.

Isto se apresenta fortemente quando entramos em contato com a palhaçaria e com os circos de lona – boa parte formado por grupos familiares muito antigos. É normal vermos gags que se repetem entre os grupos. A gag, além de ser uma estética popular, serve para a formação dessa figura palhaça e desses grupos. É na repetição dela que a arte vai se aprimorando e se atualizando.

Refletindo sobre a formação do artista circense os festivais, mostras, encontros circenses e teatrais são parte fundamental para a formação, organização e continuidade dessa arte milenar. Se no campo teatral catarinense já é sabido o quanto os festivais têm papel fundamental na formação de novos artistas, no campo das artes circenses isso se repete igualmente. Em muitas regiões do estado o único espaço de formação frequente, ou um dos mais importantes, é o festival, ou mostras. Por isso, é tradição no estado os grupos se deslocarem para acompanhar festivais, mesmo quando não se apresentam, para acompanhar espetáculos, oficinas, debates. Por muito tempo tínhamos poucos festivais e mostras exclusivamente da arte circense, então os festivais de teatro ou artes cênicas é que foram criando espaços para o circo, sobretudo para a arte da palhaçaria.

Depois, ao longo dos anos alguns eventos se tornaram chave não apenas para a fruição e formação, mas para também a articulação e organização desses grupos e artistas. Assim, para fins de registro dessa memória, citamos alguns eventos – sejam os realizados com maior frequência ou os mais pontuais. São eles: Festival Ri Catarina, Convenção de Malabarismo e Circo de Florianópolis, Encontros da Rede Catarina de Palhaças, Festival Palco Giratório do Sesc (e também os circuitos, aldeias, intercâmbios e seminários feitos por todo estado), Tecendo Riso – Festival em Concórdia, Eventos do Núcleo de Palhaçaria do Oeste, Mostra Traço de Bolso, Festival do Revirado em Criciúma, FITUB – Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, Floripa Teatro –  Festival Isnard de Azevedo, Festivais da Fecate – Federação Catarinense de Teatro, Encontro de Palhaços na Lona do Biriba, FIKA Udesc, CEART Aberto Udesc, festivais municipais realizados nas cidades de Itajaí, Rio do Sul, Brusque, Chapecó, Joinville, Jaraguá do Sul etc., mostras locais feitas pelos grupos de circos de lonas, por universidades, escola e grupos de circo etc.  Além de eventos nacionais e internacionais que passaram pelo estado deixando uma marca muito importante no setor circense como o Festival Internacional Anjos do Picadeiro (edição 2009 feita em Florianópolis), Festiclown pela Terra (Pallasos en Rebeldía), entre outros.

Convenção de Malabarismo e Circo de Florianópolis. Foto de Renatisses.

Santa Catarina é referência no registro e produção de memória sobre o circo. Em Chapecó foi criada o blog Palhaçaria Feminina, organizado pela palhaça Barrica (Michelle Silveira da Silva) com auxílio de palhaças de todo país – espaço que hoje chama Lugar de Palhaça O website serviu de espaço para que palhaças de todo país pudessem registrar sua memória, trocar informações e formações, e se tornou um importante mapeamento do setor no país. O blog deu origem a Revista Palhaçaria Feminina e o Instagram (com muitas entrevistas etc.) Lugar de Palhaça. Hoje, a revista é bilingue e é uma referência na América Latina. O material pode ser acessado gratuitamente em: https://lugardepalhaca.blogspot.com/ A organização do blog e da revista surgiu num momento em que palhaças de todo Brasil vinham se reunindo em festivais, mostras, entre outros eventos, para refletir sobre as particularidades da palhaçaria feminina. Portanto o espaço acabou fortalecendo uma rede muito forte com diversas ações. Hoje, o Lugar de Palhaça é um universo de encontro e de incentivo a novas criações e projetos de artistas/palhaças. Vale dizer a Revista Palhaçaria Feminina recebe artigos, entrevistas, traduções, relatos e também mapeamento – este através do blog Lugar de Palhaça – de pessoas palhaças tanto de Santa Catarina quanto de fora.

Dessa pesquisa que já tem mais de dez anos, a palhaça Michelle Silveira da Silva publicou recentemente o livro Somos Palhaças (SILVEIRA, 2022). O trabalho conta a história de diversas palhaças brasileiras, e boa parte delas catarinenses. Um registro muito importante que mostra a grande diversidade da palhaçaria feminina no país, e como ela se multiplicou em todas as regiões do Brasil e principalmente em Santa Catarina, onde vem se desenvolvendo cada vez mais.

Outras publicações importantes foram realizadas. Como as dramaturgias de um dos circos mais famosos do estado, o Circo-Teatro Biriba, foram registradas pelos artistas Glaúcia Grigolo e Renato Turnes no livro “O Baú do Biriba” (2016). A vida do Circo-Teatro Biriba foi registrada em um livro só de fotografias do artista Marcelo Fernandes (2018), de Balneário Camboriú, chamado “A Casa que Roda”, e no filme É Bucha! 40 anos do Teatro Biriba (Vinil Filmes) que narra a história do grupo fundado em 1970 a partir de entrevistas com os artistas.

Lançamento do livro O Baú do Biriba. Na foto Renato Turnes, Glaúcia Grigolo e Janayna Passos.

O Sesc tem realizado algumas ações e projetos em prol da produção de memórias, registro e formação na área circense. Das ações nacionais que chegaram a Santa Catarina destaco assim a realização em 2021 do Seminário Historiografia do Circo no Brasil, bem como as ações de formação, intercâmbio e fruição dos projetos nacionais Palco Giratório e Sesc Dramaturgias que criam ações e espaços voltados diretamente para a arte circense etc.

Já a formação através de escolas de circo temos atualmente apenas o Circocan, uma escola internacional com centros em outros estados também. Em Santa Catarina a sede está em Florianópolis (http://www.circocan.com.br/sede-florianopolis/). Antigamente o Circo da Bilica – que depois passou a ser chamado de Casa do Palhaço, também em Florianópolis, na época coordenado pelos artistas Vanderléia Will e Pepe Nunez, também abrigaram ações de uma escola. Mas atualmente as ações estão interrompidas, com previsão de retomada da escola na cidade de Rancho Queimado onde Pepe Nunez está construindo um novo espaço.

Pensando nas publicações, espaços de formação e pesquisas realizadas sobre o circo nosso estado ressalto ainda a grande relevância das universidades nesse papel. Não temos cursos de graduação específicos de circo, por isso é principalmente nos cursos de Teatro ou de Artes Cênicas que a arte circense tem ganhado fôlego. Nas nossas análises percebemos que em todos os cursos (que abaixo citaremos) existe a vontade de ampliar as técnicas circenses contudo depende sempre se há alguma pessoa professora com conhecimento na área. Por isso, na maioria das vezes, quando se ensina alguma técnica é a palhaçaria, algumas técnicas de formas animadas, e, com menor frequência, alguns números corporais. Já no campo da pós graduação isso melhora pois depende muitos dos projetos dos alunos. E cada vez mais projetos especificamente sobre circo, e circo catarinense, tem ganhado lugar nas pesquisas.

A única pós-graduação, com nível de mestrado e de doutorado, que temos é em Artes Cênicas no Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em Florianópolis. Até recentemente o curso era “Teatro”, mas, historicamente, ele abrange amplamente pesquisas também nas áreas do circo, da dança, das artes híbridas e populares, performance. O programa tem conceito 5 na CAPES, com importante reconhecimento internacional e é uma universidade pública e gratuita. Aqui não vou citar as pesquisas de circo porque realmente são muitas, com alegria. Numa pesquisa breve no portal de periódicos e publicações da UDESC (https://www.udesc.br/bu) observo que a maioria ainda foca no estudo da palhaçaria ou do circo político, com trabalhos riquíssimos.

Já no campo da graduação as universidades que têm cursos de graduação em Teatro ou Artes Cênicas são: UDESC, UFSC – Universidade Federal de Santa Cataria, FURB – Universidade Regional de Blumenau, UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense. Sendo que a UFSC e a UDESC são as únicas públicas e gratuitas, ambas em Florianópolis, e as demais são privadas. O fato de não ter muitas universidades em diferentes regiões do estado redobra a importância de outros espaços para a formação de artistas, daqueles que não tem condições de se deslocar para estudar ou que preferem ficar nas suas regiões e desenvolver uma formação autodidata, o que é muito comum tanto no circo quanto no teatro e na dança no estado.  Antigamente existiram turmas de graduação em teatro também na Unoesc – Universidade do Oeste de Santa Catarina nos polos de Joaçaba e São Miguel do Oeste. Há ainda importante cursos de extensão em teatro, que acabam abarcando o circo (sobretudo a técnica da palhaçaria) nas universidades UnoChapecó (GTEU, grupo de extensão), Univali – Universidade do Vale do Itajaí, e IFSC – Instituto Federal de Santa Catarina nos polos de Joinville, Palhoça e Florianópolis.

No caminho de reconhecimento, transformação e fortalecimento do circo surgiu a Rede Catarina de Palhaças. Ela promove encontro entre as palhaças que atuam em solo catarinense e serve como um espaço de intercâmbio, estabelecer relações e provocar ações entre as palhaças participantes. Se você é palhaça vale procurar logo a Rede e acompanhar as ações https://www.instagram.com/redecatarinadepalhacas/

Encontro da Rede Catarina de Palhaças.

Igualmente importante são os espaços municipais ou estaduais em que grupos, artistas, produtores, técnicos se reúnem para se fortalecer enquanto movimento e setor. São elas setoriais, conselhos, redes, associações, coletivos, entre outros. Já citamos aqui alguns importantes, como a Rede Catarina de Palhaças, o Lugar de Palhaça, a Revista Palhaçaria Feminina e a Convenção de Malabarismo e Circo de Florianópolis, e outros festivais citados. Pode parecer curioso dizer que estes espaços servem também para a articulação política, mas ouso dizer que é nestes locais que as discussões e reflexões sobre o coletivo tomaram mais força e aderência. Nesse sentido, além desses espaços vales destacar o papel importante que as setoriais de circo desempenharam no fortalecimento e crescimento do setor, sobretudo impulsionadas pelo Sistema Nacional de Cultura, lei que instaurou e organizou essas setoriais e conselhos de cultura. Igualmente os conselhos estaduais e municipais, bem como as políticas que fortaleceram as redes com a dos Pontos de Cultura. Infelizmente no CEC – Conselho Estadual de Cultura em Santa Catarina não temos uma vaga única para o circo. A pauta acaba sendo abraçada pela cadeira do Teatro dentro do possível, mas muitas demandas acabam se dissolvendo dentro das demandas do teatro. De todo modo o setor tem lutado para construir este espaço.

Uma fonte riquíssima de registro e memória do circo são os mapeamentos e levantamentos de indicadores realizados. Para essa pauta separei um texto específico, veja em: https://portaldocircocatarinense.com/2021/08/27/artigo-3/

Se você é um artista que tem interesse em se profissionalizar procure participar das ações desses espaços, redes, centros e coletivos aqui citados. Na nossa prática, troca, é que vamos aprimorando nossa profissão. Nossos palcos são nossas escolas!

Grupo Reminiscências de Joaçaba, um dos grupos participantes do Núcleo de Palhaçaria do Oeste.

Hey, esquecemos de alguma iniciativa de formação, rede, produção e pesquisa? Manda para nós! Neste texto fizemos um levantamento de diversos eventos, pesquisas, redes, associações, livros, registros, entre outros. Caso você conheça mais algum que esteja faltando aqui, manda para nós por email (portaldocircosc@gmail.com). A ideia é levantar esses dados, contamos com vocês.

Quer conhecer um pouco mais desses grupos e do circo em Santa Catarina? Dá uma espiada no mapeamento e publicações aqui no nosso Portal do Circo Catarinense para conhecer os artistas, grupos, escolas, produtores, técnicos que trabalham aqui no estado.

Faça parte dessa história! Se você for uma pessoa que trabalha com circo no estado faça já seu cadastro gratuito no nosso Portal e nos conte um pouco da sua história aqui: https://portaldocircocatarinense.com/thmaps-cadastro/